Zé Vicente volta da sepultura.

sexta-feira, 23 de julho de 2010 0 comentários

Em passos calmos, Zé Vicente vai chegando ao portão, abre e sai a caminho da rua, acaba de sair do cemitério.
Era uma manhã de segunda feira, ao chegar à rua principal, senta em um banco da praça, com o paletó preto amassado, um pouco apertado na cintura, Zé olhava o movimento na cidade, o abrir da farmácia, a quitanda e o açougue.
Seu Jão, dono do açougue, avistando aquele homem parecido com Zé Vicente, morto há três meses, não se conteve e foi conferir quem seria aquele forasteiro.
Ao constatar que era realmente Zé Vicente quase teve um troço, saiu gritando pelas ruas e o povo, que começara a semana disperso, amontoou em cima de Zé Vicente na praça, que agora, parecia um comício eleitoral. Pessoas que passavam pro trabalho paravam para saber o que havia acontecido. Seria uma morte? Até que não era tão errado esse pensamento.
Em silencio, o povo acompanhava com os olhos Zé Vicente sentado, cutucando a unha com a boca, já que havia um tempo que estava sem cortar, até que Seu Jão se manifestou:
- Você é o Zé Vicente, marido da Dona Sofia?
Zé Vicente manifestou com um balançar de cabeça confirmando a pergunta, deu uma cuspida no chão e falou:
_Sou eu memo.
O povo não se conteve, teve uns que gritavam milagre, outros saíram correndo pra contar à notícia que já começava a agitar a pequena cidade onde Zé morava.
Dona Sofia não demorou pra saber, logo os vizinhos estavam comentando nas rodas de conversas pela rua. O caso foi parar na delegacia, o delegado e o médico responsável pelo obituário de Zé Vicente foram até a praça junto com a viúva, ou seja, ex-viuva.
Dona Sofia logo que viu Zé Vicente entrou em choque, era ele mesmo, dos pés a cabeça, o homem que havia morrido na sua casa três meses atrás, vitima de um osso de frango engasgado na goela. Zé Vicente havia engasgado com o desgraçado do osso, morreu sem ninguém pra acudir.
_O Zé, sou eu, Sofia, sua ex-mulher, lembra de mim?
Dona Sofia confirmava a tal semelhança entre o Zé que havia enterrado e aquele Zé que estava sentando no banco da praça, o terno preto pequeno demais para caber nele e o tênis al star que no momento, era o único que achara para ser enterrado com o moribundo.
Zé Vicente olhou pra Dona Sofia e disse:
_Muié, sou eu memo, Zé Vicente, seu marido.
Dona Sofia bambeou as pernas e perdeu as vistas, caiu pro chão desmaiada.
Enquanto isso já chegava meio dia, o povo ia aglomerando na praça, tinha gente da tevê chegando ao local, barraquinha de cachorro quente e vendedores de refrigerantes pelos cantos gritando o serviço. A polícia teve que marcar o local para evitar curiosos, o padre já havia convocado uma novena para aquele dia e os loucos já gritavam que havia de ser o fim do mundo.
O médico, único da cidade no dia da morte de Zé, fizera a autopsia do cadáver e a retirada do pedaço de osso de frango de sua goela, conferia o corte, havia uma cicatriz agora, estava pasmo com tudo aquilo, era ele mesmo.
Dona Sofia, levantando-se ajudada pelo o atual marido Joaquim Costa, “foi amigo de Zé desde criança, largara da mulher um pouco antes de sua morte e um tempo depois já deitava com a viúva carente”, se viu em uma situação complicada, o que faria agora com dois maridos.
Seu Jão já pensava em cobrar a divida que o homem tinha deixado anotado na caderneta, havia perdoado a viúva, mas agora, com Zé de volta, já pensava no dinheiro.
Zé Vicente, todo tranqüilo, não tinha manifestado nem uma dúzia de palavras, cuspiu no chão novamente, agora com as unhas cortadas pelo dente, começou falar.
_Não sei como vim parar aqui, acordei sufocado como aquelas fror na minha cara, estorei a tampa do caxão, cavuquei a terra di cima e saí do buraco, to aqui, ínterim, pra conta pro ceis que eu não morri, tava durmino esses trêis meis e agora to di vorta!
O povo começa a gritar, o alvoroço é total, a segunda-feira já começa a ir embora, Zé sentado no banco, a novena desponta lá na esquina da praça, padre Agenor à frente e as beatas com velas nas mãos e véus sobre o cabelo cantam um cântico, “aleluia, aleluia”, na pequena cidade que parou para ver Zé Vicente, o homem que havia morrido, mas que voltou da sepultura.


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